quarta-feira, 27 de abril de 2016

Na infância eu calculava milimetricamente os passos de algumas crianças (que me faziam sentir frio na barriga) para não ser jogado em profundezas. Percebi que eu era a fonte dos risos satanicamente lançados no mundo, para que todos pudessem ver, basicamente um exercício diário de maldade gratuita. Eu dormia com aquelas gargalhadas no repeat, num círculo de infinitas perturbações, todas as noites, até que caíssem no esquecimento e eu, por uma migalha de tempo, voltava a ser normal – o que demorava dias. A perversidade infantil é uma característica presente na memória daqueles que, ao passo que colocam a mochila nas costas, maquinam o esboço do primeiro alvo, a primeira humilhação do dia que lhes era possível, com plateia. A plateia é um fator importantíssimo no contexto perverso para muitos. Dos que me acompanhavam, era o mar de gente presente, a hora escolhida pro abate e maratonas. E eu sempre procurei motivos para explicar a sodomia dos atos, quem sabe assim algo seria logicamente entendido por mim. Era eu feio demais? Era indigesto, aquela azia que se dá após ter comido feijão antes de dormir? Nasci eu com um rabo de baleia fincado na bunda? Entre diversas possibilidades e quase nenhuma conclusão, resolvi decretar todos os problemas como fontes e também paranoia, fodi tudo! Instaurei em mim leis naturais que fugiam à lógica mas somente assim explicavam as sessões de tortura diária. Eu me culpei, eu não fui uma pessoa solar, eu sou um mastodonte! Precisei, então, desenvolver muito cedo a aspereza que muitos meninos despertam apenas quando mais velhos. Cresci como um animal que se adapta a qualquer das rebentações, tornando-me astuto o suficiente para não correr mais risco de abusos e arranhões, repetições violentas que faziam parte do meu cardápio matinal, da ida para casa, do estar dentro do ônibus. [...] De lá pra cá, cresci prematuramente atropelado pelas bicicletas com rodinhas. [...]

terça-feira, 1 de março de 2016

O Jorjito se foi. por ele há respeito, admiração, sorrisos – e infinitas referências, sensações e sentimentos: isso tudo é também amor.
hoje o dia encontra-se cinza, denso e bem triste, você voou para fora da asa, como diz Manoel de Barros.  como vivo repetindo, nunca vou entender esse negócio de morte, e contraditoriamente, é a única certeza que temos nesse mar de loucura chamado vida.
ficarão alguns sentimentos sem nome, um engasgo mas também todas as lembranças bonitas, toneladas de respeito pelo humano, demasiado humano amor & arte que você sempre foi, um sorriso quando olhar tudo na cor azul e me lembrar de você.

daqui, desse mar de loucura, não somente eu, mas muitos estão (e continuarão!) te abraçando em tom azulado.

com amor,
Magno.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Creio que beijo é vontade, desde sempre. E se eu me entrego ao outro pra ser beijado, quero que ele devolva na mesma moeda, “ou toca ou não toca!”. Mas estávamos em festa e nelas muitas coisas podem acontecer, Magno, deixa de bobagem, né? Pra fechar o ciclo do carnaval, preciso desabafar: ser beijado por alguém que julga reparar algum tipo de erro, ou sei lá o quê, ao te incitar a cometer esse ato, é uma desgraça que ecoa por dias na cabeça da gente. Pior de tudo, quando esse alguém é amigo, é próximo de você e dos seus. Naquela segunda feira eu precisei explodir e vomitar literalmente pequenos pesos que habitavam por dentro. Quase todos foram embora, mas esse do beijo, ficou. E mesmo após o fim do melhor carnaval de todos, ele ainda persiste porque, inevitavelmente, pra mim, beijo é envolvimento mas sem vontade é covardia, esteja você bêbado, cheirado, ou simplesmente fingindo todos esses estados. Mesmo drogado, sob o efeito de qualquer substância, seja autêntico, meu amigo! Beijar e depois escutar certezas do tipo “consegui reparar erros?” é, no mínimo dizer pra ti: ó, panaca, vou te beijar pra que você não fique se achando um idiota ou é um beijo, ou melhor, apenas encostar os meus lábios nos teus pra que eu não me sinta mal. Ah, Magno, mas tu só estás culpando o outro, você não o beijou também? É, sim, beijei, mas foi antes de eu acreditar que era espontaneidade e não deslize. Se você me pede um beijo e em seguida fala asneiras tentando justificar a sua não vontade ao me beijar, ó, eu prefiro que você me dê um soco no estômago, vou receber de uma forma menos densa. Mas senão, tá aí a possibilidade de ficar pior que toda a rua com todos aquelas pessoas que saíram de lá tristes pelo fim do carnaval, sentidos pelas paixões que foram deixadas juntos aos confetes no chão, ou ainda, o tesão que vai esperar ser desaguado, quiçá, somente no ano que vem, caso o parceiro x ou y seja encontrado no mar de gente e seus improváveis encontros e desencontros.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Sou água. o galho cortado que rebrota. Um gole de emoções esquentando o corpo. Uma vontade de um grito azul que ecoe por dias o tamanho dos sorrisos de amor que habitam a porta dos meus silêncios e sinestesia. sou gruta, lampejo, a fruta do pé, a festa, a multidão, a chuva de brilho. sou o primeiro embalado na dança a três, uma bala calma perfurando o peito. o cárcere das luzes na rua, lama no pé, vento no rosto. sou tontura do álcool, tremeliques de saudade. divagações de amor me provando ser o homem mais feliz do carnaval.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

ando destoando, mais e mais, da linguagem, do pensamento, das interpretações e leituras que a minha família faz dos outros, das coisas, do mundo. Talvez nossos posicionamentos em relação ao amor estejam em conflitos perenes e constantes. Amor precisa de continuidade e por aqui há amor de sobra, mas há cansaço e falta de paciência aos montes. Assim, preciso ir, procurar novos espaços que acomodem o meu silêncio, as minhas palavras e minhas cores. não mais compactuar com discussões que não me pertencem (não me pertencem por lerem que minha opinião é sempre extrema e inapropriada para qualquer assunto que esteja em pauta). Assim sendo, preciso ir pra poder voltar mais calmo e ânimos estabilizados. Ir-se é um exercício de constância, ir é uma necessidade metaforicamente entendida como uma lavagem em alguns espaços da alma. 

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

hoje duas notícias muito boas. a primeira é que Adelaide Ivánova, colega, pessoa bacana e demais interessante, lançará em fevereiro, o seu novo livro. dessa vez ele será impresso (o primeiro, polaroides (e negativos das mesmas imagens), Cesária, 2014)  apenas digital foi o melhor livro lido no decorrido ano). a segunda é que finalmente no próximo mês eu arrancarei esse maldito aparelho dos dentes que incomoda pra cacete. já não tenho sorriso – desde sempre – e com um troço de metal na boca, incomodando, pronto, fode tudo.
acontece que (para além de toda essa loucura só minha, essa esquizofrenia social e outros demônios que me habitam) eu tô cansado demais pra comemorar pequenas grandes vitórias. só pra resumir: é que quando eu estou muito cansado eu também fico triste.
- isso tudo se chama temer. temo em não conseguir realizar diversas tarefas ao mesmo tempo. temo a tal da limitação. limítrofe é uma palavra que, apesar de sonora e engraçada, me aflige. lidar com todas essas questões parece ser bobagem, mas cada um sabe o inferno que carrega em si, né non? 

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Das loucas e deliciosas constatações na vida desse que vos fala – ou melhor, escreve:
1.  Escrever é uma loucura da porra, ou aceita ou pula fora – eu prossigo!
2.  Creio ser o poeta particular dele;
3.  Poesia é sim diferente da prosa: mas as duas ferem igualmente na mesma intensidade;
4.  Deriva, húmus, enternecer e mar são palavras puras em seu estado primário de palavra -  antes de ser coisa. É como eu, antes de ser o que me sou, eu sou contágio;
5.  Um raio cai sim duas vezes no mesmo lugar. E me parece que a segunda vez é ainda mais fruição – continuarei buscando por mais incidentes com raios.

6.  Continuei no número seis por me agradar bem mais que o cinco.