Na infância eu calculava milimetricamente os passos de algumas crianças (que me faziam sentir frio na barriga) para não ser jogado em profundezas. Percebi que eu era a fonte dos risos satanicamente lançados no mundo, para que
todos pudessem ver, basicamente um exercício diário de maldade gratuita. Eu dormia com aquelas gargalhadas no repeat, num círculo de infinitas perturbações, todas as noites, até que caíssem no esquecimento e eu, por uma migalha de tempo, voltava a ser normal – o que demorava dias.
A perversidade infantil é uma característica presente na memória daqueles que,
ao passo que colocam a mochila nas costas, maquinam o esboço do primeiro alvo, a primeira
humilhação do dia que lhes era possível, com plateia. A plateia é um fator
importantíssimo no contexto perverso para muitos. Dos que me acompanhavam, era o
mar de gente presente, a hora escolhida pro abate e maratonas. E eu sempre procurei motivos para
explicar a sodomia dos atos, quem sabe assim algo seria logicamente entendido por mim. Era eu feio demais? Era indigesto, aquela azia que
se dá após ter comido feijão antes de dormir? Nasci eu com um rabo de baleia
fincado na bunda? Entre diversas possibilidades e quase nenhuma conclusão,
resolvi decretar todos os problemas como fontes e também paranoia, fodi tudo!
Instaurei em mim leis naturais que fugiam à lógica mas somente assim
explicavam as sessões de tortura diária. Eu me culpei, eu não fui uma pessoa
solar, eu sou um mastodonte! Precisei, então, desenvolver muito cedo a aspereza
que muitos meninos despertam apenas quando mais velhos. Cresci como um animal
que se adapta a qualquer das rebentações, tornando-me astuto o suficiente para
não correr mais risco de abusos e arranhões, repetições violentas que faziam
parte do meu cardápio matinal, da ida para casa, do estar dentro do ônibus. [...] De lá pra cá, cresci prematuramente atropelado pelas bicicletas com
rodinhas. [...]
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