domingo, 4 de novembro de 2012


Diálogos Partidos

então, cansado de não dizer, Ulisses se viu a ponto de explodir naquela tarde de verão. E essa latência que não cessa, essa angustia, esse vácuo de alguma coisa que incomoda e tem nome desconhecido. E essa urgência em ser, essas 100 páginas que já foram escritas só hoje? Nunca vi tamanha vontade de ser salvo, mas salvo por que e por quem? Resposta-eco que vive assombrando os meus dias. Balbucio todas as manhãs antes de levantar, penso não estar presente quando me levanto, mas quando dou por mim, não faço parte de nenhuma realidade fantástica além da minha que é a mais real de todas as outras. Cabeça-bomba, coração-máquina, desejos inflamados, dores de barriga sentimentais. Suores, ardências, fase de insônia, entorpecentes, mania de querer ser o amanhã depressa. Não, querido, essa automutilação precisa acabar, Frankenstein é um nome muito estrangeiro pra minha identidade que precisa ser simples e breve.

- Ulisses H. parece nome de estrela de cinema pra mim, e não me chama de querido, soa irônico e sem vontade. Você é lindo e divinamente sedutor, te quero pra mim, só não sei como nem você parece me dizer como. Fico preso entre o impulso de falar e o abraço que ainda te darei. Mas não te assustas, sou totalmente amplo e descompensado assim mesmo, eu sempre estou querendo as pessoas pra mim, é um amor louco mas com todo sentido, quero todos grudados em mim como, somente dessa forma, eu estivesse me salvando. Diferente de você eu sei por quem e por que preciso ser salvo.

Ulisses tinha muito mais a falar, mas calou-se, conteve a sua língua-pulsação e pra não cair de vez, pôs somente a mão no peito e fechou os olhos. Não disse mais nada, apenas um adeus breve e simples, sem estrangeirismos ou rodopios. Foi pra casa tomar chá, cuidar do gato Nicolau e completar o seu ciclo de escrita-suicídio. Projeto de nenhum leitor, nenhum crítico, nenhum fã. Literatura solitária, só não de gaveta por ela, junto com ele, serem claustrofóbicos. Então, durante dias ele escrevia e deixava na mesinha da sala, onde recebia uns toques do sol. Pra que e pra quem? Solidão seria o seu próximo romance. A saga de um heroi qualquer, desses, desimportantes.

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